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Quem eram as bruxas?

Já toda a gente ouviu falar em bruxas, tanto em filmes, como em livros, séries, ou, até em acontecimentos históricos como a inquisição e a perseguição às bruxas.

Vamos então abordar esta questão a partir de uma visão feminista, tentar perceber quem terão sido as bruxas, o que lhes aconteceu e o porquê.

Na inquisição, as bruxas eram as mulheres que não cumpriam com o padrão daquilo que era expectável de uma mulher, como por exemplo, ser submissa ao pai ou marido, não estudar, ser dona do lar, ser sexualmente recatada e ir frequentemente à igreja.

Qualquer queixa, mesmo que sem fundamento e independentemente de existirem provas, era suficiente para se iniciar a perseguição contra a mulher dada como bruxa, e esta seria torturada até admitir a sua ligação com o diabo. No entanto, é de senso comum que muitas vezes estas cediam, admitindo algo que não era verdade somente para a tortura cessar. Algumas das mulheres acusadas de bruxaria, eram as curandeiras das pessoas mais pobres, que não tinham dinheiro para recorrer a médicos oficiais. Estas, detinham o conhecimento de plantas e ervas com propriedades para curar doenças, entre outros conhecimentos médicos da época. Elas eram chamadas de curandeiras, pois para obter o título de médica, era necessário frequentar faculdades às quais apenas homens podiam ir. Muitas delas aprenderam estes procedimentos devido a práticas antigas passadas de geração em geração ou até por estudarem em casa com o pai, irmão ou marido, que tinham permissão para frequentar a faculdade. Alguns médicos tê-las-ão denunciado como forma de afastar concorrência.

As bruxas, de uma forma geral, eram as mulheres mais idosas, no entanto, também algumas mulheres jovens foram denunciadas como tal, pelos mais horríveis motivos, nomeadamente, por recusarem prestar favores sexuais a homens poderosos ou padres celibatários, ou então por serem filhas das “bruxas” mais idosas e consequentemente terem herdado esse “mal”. Atualmente, em diversos livros infantis, existe a princesa, que é descrita como bela e boa pessoa, e a bruxa, que é referida de maneira mais cruel: feia, velha, com verrugas, malvada; entre outros adjetivos que as rebaixam. Porque que desde novas, as crianças são bombardeadas com esta dualidade contrastante? De certo modo, podemos concluir, que para ser considerada uma “princesa bonita”, temos de ser boas, submissas, não incomodar ninguém, tentar sempre agradar ao próximo. Por outro lado, as bruxas, que decidiram retirar-se para o seu canto com o seu animal de estimação, estudar para criar “poções” e ter uma vassoura voadora (mas, se fosse um homem a fazer isto tudo, seria um cientista), então seriam feias, malvadas, e odiadas por todos. Não existe mal nenhum em querer ser a “princesa bonita”, mas a bruxa não necessita de ser representada como feia por não seguir esse padrão.

Nas representações de filmes e séries, as bruxas são também apresentadas com as características do parágrafo acima, sendo-lhes ainda atribuídas características maléficas, de terror, pois estes filmes e séries são direcionados a adolescentes e adultos. A mensagem que podemos retirar disto é a mesma do parágrafo acima, porém, de uma forma mais adaptada a pessoas crescidas. Resumidamente, fugindo ao padrão daquilo que nos é imposto enquanto mulheres, isso irá tornar-nos pouco atraentes e ficaremos sozinhas ou então juntas com outras mulheres iguais, ninguém irá gostar de nós para além do nosso gato (ou outro animal de estimação), e seremos associadas ao diabo ou outro tipo de entidades malignas. Isto inflige-nos o medo de fugir ao padrão, teremos receio de ser associadas a este tipo de figura. Quantas vezes já não ouvimos que as mulheres idosas que vivem sozinhas, com um gato como animal de estimação, são bruxas? Quantas vezes já não ouvimos que uma mulher, por ter discutido com alguém e ter reagido de uma forma agressiva, foi apelidada de bruxa? Mas, se fosse um homem idoso a morar sozinho com o seu animal de estimação, seria um “velho coitado”, ou se fosse um homem a responder agressivamente numa discussão, estaria “apenas num mau dia” ou seria visto como uma atitude normal por ser homem.

Deste modo, terão sido estas mulheres, que antigamente tiveram a coragem de fugir ao imposto, das primeiras manifestações feministas? Considerando tudo o que já foi exposto ao longo deste texto e tendo em conta aquilo que é ser feminista atualmente, podemos concluir que sim.

Na atualidade, nós, mulheres feministas, podemos, de certo modo, identificar-nos com aquilo que era ser bruxa, antigamente. Ou seja, somos pessoas que apesar de já terem muitos mais direitos adquiridos do que há anos atrás, ainda continuamos na luta para adquirir outros, de forma a igualar àqueles que os homens já têm ou a tornar direito garantido, algo que não esteja diretamente escrito na lei, apenas implicitamente. Isto é necessário para garantir que temos acesso a esse direito, de modo a que não se possa contornar o mesmo. Isto tornar-nos-á bruxas, pois não nos conformamos com o que já temos, sabemos que temos o direito a mais.

Ainda, com o feminismo interseccional, que nos leva a lutar pelos direitos de minorias e lutar contra o preconceito relativo a fatores que ainda atualmente são discriminatórios, como por exemplo a sexualidade, identidade de género, país de origem, etc., tudo isto, aos olhos de certas pessoas, dá-nos “alguma ligação ao diabo”, pois para essas pessoas isto é ir contra o que é socialmente estabelecido como sendo o normal numa visão conservadora, e fugir ao expectável, “torna-nos” bruxas…

Então, concluindo: se ser bruxa é não depender de um homem, não seguir o expectável, ter coragem para desafiar aquilo que nos é imposto como correto, lutar pelos nossos direitos, estudar, não ter medo de estar sozinha para não estar mal-acompanhada, aprender coisas novas e inovar, então mulheres, que sejamos todas bruxas!

Bianca Cretu

Colaboradora do Departamento de Informação

Fontes:

https://www.esquerda.net/artigo/como-medicas-da-idade-media-foram-votadas-aoesquecimento/85319

https://catarinas.info/a-caca-as-bruxas-uma-interpretacao-feminista/

 

https://www.medicina.ulisboa.pt/newsfmul-artigo/110/mulher-e-sua-emancipacao

 

ROSAS, Maria Antónia Monterroso; COUTO, Célia Pinto do (2013) --- Um Novo Tempo da História 10, Parte 3. Porto: Porto Editora.

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