O feminismo anula o cavalheirismo?
Enquanto participava na atividade da banca no átrio da faculdade, fui abordada por um senhor, que quis saber qual era a minha visão sobre o feminismo.
Após explicar a importância do feminismo para mim, mencionando aspetos como por exemplo a busca por direitos iguais e necessidade de reconhecimento e punição de várias violências que nós mulheres sofremos, o senhor respondeu-me: “Está bem. Mas, se vocês buscam por direitos iguais, acha necessário que nós, homens, vos deixemos passar primeiro, vos seguremos a porta para passarem, etc.?”
Ao que, após refletir uns instantes, respondi que não. Nós, mulheres feministas (e qualquer outra pessoa, na verdade) não precisamos que nem os homens, nem ninguém, nos deixe passar primeiro ou que nos segure a porta. Podemos perfeitamente aceitar que alguém, independentemente do seu sexo, passe primeiro, tal como podemos perfeitamente abrir a porta por nós próprias/os.
No entanto, serão esses atos e outros, chamados atos de cavalheirismo, somente isso? Atos aplicáveis em sociedades antigas ou até modernas, nas quais as mulheres estavam subjugadas aos homens? A mim não me parece.
Segundo vários dicionários da língua portuguesa, o cavalheirismo é caracterizado por adjetivos como gentileza, cortesia, civilidade, etc. Segundo o nosso conhecimento geral e alguma pesquisa, podemos chegar à conclusão de que atos de cavalheirismo são atos como por exemplo os mencionados pelo senhor. Abrir a porta e deixar alguém passar primeiro, abrir a porta do carro ao nosso passageiro/a, puxar a cadeira para que o nosso companheiro/a se sente à mesa, etc.
Então, fará sentido dizer que por alguém ser feminista, não apreciará tal forma de ser e tais atos? No meu ponto de vista enquanto mulher feminista, eu aprecio atos de cavalheirismo, e isso não me torna uma pessoa antiquada ou com convicções confusas. O simples facto de alguém ter esses atos para comigo, não me torna inferior a essa pessoa, é, segundo uma pesquisa do significado da palavra “cavalheirismo”, aceitar que alguém tenha atos gentis e civilizados para comigo. E, se não é isso que todos procuramos nas pessoas com que temos qualquer tipo de relação, então estaremos a valorizar-nos?
Fará sentido dizer que por alguém ser feminista, não merecerá esse tipo de tratamento? Não é por ser uma pessoa que luta pela igualdade de direitos entre géneros, reconhecimento de violências que sofremos e defender que exista uma efetiva punição, e os demais exemplos que signifiquem ser feminista, que não merecemos ser tratadas com gentileza. É por eu lutar por esses direitos, que são direitos humanos básicos, que alguém me deve tratar menos gentilmente? Se alguém com quem me relaciono pensa deste modo, deixarei de me relacionar, uma vez que se essa pessoa acha que por eu lutar por algo que me pertence é motivo para deixar de ter um ato gentil para comigo, certamente essa pessoa não é alguém que quero ter na minha vida, pois isso reflete que essa pessoa considera que não mereço os direitos pelos quais luto.
Fará ainda sentido dizer que, alguém, por ser feminista, não poderá ser ele/a próprio/a, cavalheiro ou ter atos de cavalheirismo para com o próximo? Mais uma vez, considerando que ser cavalheiro e praticar os atos que lhe são associados, é ser gentil, cortês, civilizado para com o próximo, estará isso sequer desfasado com o significado de ser feminista? Meu senhor, nós procuramos igualdade, respeito, reconhecimento, está isso desfasado com o significado de cavalheirismo?
É utópico lutar por uma sociedade em que apreciar atos de cavalheirismo por parte de qualquer pessoa, não me torna menos feminista? Nós, mulheres feministas, procuramos a igualdade, e isso significará que buscar a igualdade é deixar de apreciar que nos segurem a porta, porque isso nos torna inferiores? Não, não nos torna inferiores, apenas mostra um gesto de amabilidade por parte da pessoa que segurou a porta. E aceitar esse ou qualquer outro ato de amabilidade não demonstra fraqueza ou inferioridade, é apenas isso, um ato amável que poderá ser apreciado ou não, e isso fica à escolha de cada pessoa.
Sobre o cavalheirismo e os atos que lhe são associados, vemos em filmes e outras representações de tempos passados, os homens a terem esses atos para com as mulheres. O simples facto de vermos isso retratado em sociedades de antigamente, onde as mulheres estavam menos ou nada emancipadas em comparação com a atualidade, isso não demonstra que o cavalheirismo e o feminismo sejam conceitos que não possam “andar de mãos dadas”. É uma interpretação errónea, pois mais uma vez associa o facto de nós, mulheres, simplesmente por lutarmos pelos direitos que nos pertencem e atualmente termos mais liberdade e direitos reconhecidos, devemos deixar de ser tratadas com gentileza, pois caso queiramos voltar a ser tratadas com o “cavalheirismo de antigamente”, devemos voltar a ser submissas, e isso só demonstra o machismo presente na mentalidade das pessoas que pensam deste modo. O que vemos retratado nesses filmes é simplesmente os homens a terem atos gentis e civilizados, que demonstram carinho para com as mulheres, e o simples facto de atualmente termos mais consciência dos nossos direitos e termos maior força de luta para conquistar os mesmos, deixamos de merecer esse carinho? Então é porque na verdade não têm carinho por nós, pois se tivessem, estariam juntos a nós nessa luta, tal como muitos homens estão, e ainda assim continuam a ser gentis connosco, a abrir-nos a porta e a deixar-nos passar primeiro. Quem tem carinho por nós, considera mais que normal que merecemos ter os mesmos direitos reconhecidos e verificados, na prática. No entanto, todas as pessoas deveriam considerar o mesmo, independentemente de terem carinho por nós ou não, pois mais uma vez, estamos a falar de direitos humanos básicos.
O cavalheirismo vem a defender atos que não colocam em causa a luta pela igualdade de direitos defendida pelo feminismo, pois buscar a igualdade não é sinónimo de inferioridade física ou intelectual, não somos tratadas com cavalheirismo por sermos inferiores, é apenas uma forma de demonstrar gentileza para com o próximo.
Então, respondendo mais uma vez, desta vez também por escrito, não senhor, o feminismo não anula o cavalheirismo.
Bianca Cretu
Colaboradora do Departamento de Informação