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Linguagem inclusiva: uma questão de educação

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Antes do ano lectivo começar a nossa filha disse-me:

 

— Sabes, mamã, se calhar vou ter de conversar com a minha professora. É que quando ela chega ou fala conosco, diz sempre: «Bom dia, meninos!» E eu não gosto nada, porque parece que ela não está a falar comigo.

— Percebo. O que sugeres que ela diga?

— Meninos e meninas. Ou, então, para não ter tanto trabalho podia dizer: «Bom dia, crianças». Assim já estaria a falar para a turma toda.

 

A nossa filha tem sete anos. Sempre lhe lemos livros que mostram histórias diferentes, onde as personagens principais são femininas. Na grande maioria dos casos, são sujeitos ativos e protagonistas no enredo. Muitos desses livros são sobre mulheres — de várias origens etnoraciais e de diferentes quadrantes sociais — que tiveram de lutar para alcançar os seus sonhos. Ou personagens de ficção que são super-heroínas, aventureiras, senhoras dos seus destinos. Calma. Também lemos histórias tradicionais, de unicórnios, gatinhos, com princesas ou protagonistas masculinos. Tentamos equilibrar todos os mundos, reais ou imaginários.

 

Desde muito cedo que falamos com ela sobre igualdades, feminismos, racismo, consentimento e privilégio. Não necessariamente por esta ordem e, sempre, adaptando o discurso à idade. Ela ouve-nos, muitas vezes, a discutir estes temas e a refletir em conjunto sobre eles. Algumas vezes, já participa e dá a sua opinião sobre o assunto.

 

No nosso lar feminista, a nossa filha vê-nos a partilhar tarefas: eu sou a directora da cozinha e das compras, o meu companheiro é o director da roupa e a nossa querida Neuza — a pessoa que nos faz as limpezas da casa — é a directora dos detergentes e asseio do lar. A nossa filha tem atribuídas algumas tarefas e participa na manutenção do lar. Digamos que é a directora da sala dos brinquedos, que  algumas vezes faz uma perninha na colocação da mesa e na limpeza e arrumação da louça. Todos participamos e cumprimos as nossas tarefas, não nos ajudamos uns aos outros.

 

Estou em crer, que todos estes fatores educacionais serão os responsáveis pelo discurso da nossa filha e a importância da questão que ela colocou à professora. Ela quer sentir-se representada, quer sentir que existe e que estão a falar com ela, não quer seguir as regras de um sistema gramatical em que numa sala com dez mulheres e um homem, somos obrigadas a falar no masculino para termos um discurso gramaticalmente correto. Ela não quer ser gramaticalmente correta, ela quer ser gramaticalmente visível. Quer existir.

 

Não tenho dúvidas que se, em casa, utilizássemos um sistema gramatical neutro, para ela dizer: quero muito o livro destus escritorus seria a coisa mais natural do mundo. Ou elu é linde! e por aí fora. Acredito que a educação e a normalização da linguagem inclusiva e neutra são o futuro. Independentemente da quantidade de pessoas que se opõem a estas alterações. A linguagem é um espelho para nossa cultura, reflete os nossos valores sociais e pode sim — acho mesmo que deve! — mudar. E não se aflijam. Eu sou algarvia, desde sempre que para esses lados dizemos bonite, linde, moçe, todes e nunca estranhamos.

 

Para o mês que vem, falarei um pouco mais a fundo sobre as propostas que vão sendo apresentadas para tornar o nosso idioma mais inclusivo e neutro. Aos ouvidos de uma pessoa adulta soa estranho, mas lembrem-se que uma criança, se for educada para tal, nunca estranhará.

Lúcia Vicente

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