top of page

O Patriarcado Treme

hands-g458f38f30_1920.jpg

       Tenho a minha própria maneira de ver e fazer a cronologia das vagas feministas europeias e estadunidenses. A minha datação não corresponde à datação tradicional e é feita com base na ideia que eu apreendo da forma como as mulheres olham para o seu corpo ao longo dos tempos. Acredito que estamos a viver a quarta vaga dos feminismos e que as transformações que se estão a conseguir operar na sociedade são muito fortes, algumas levadas a cabo pela primeira vez na História da Humanidade. Acredito, também, que de cada vez que os feminismos conseguem dar dois passos em frente, o patriarcado encontra uma forma de empurrar os avanços alcançados, pelo menos um passo, para trás.

       Vivemos numa época de grandes transformações e de alguns retrocessos, como é o caso da nova ascensão das extremas-direitas europeias, que em alguns casos, se instalam lentamente no poder e, com a ajuda da comunicação social — esse braço armado das normativas do patriarcado — conseguem reintroduzir alguns pensamentos retrógrados e que julgávamos já ultrapassados. É, por exemplo, o caso da revalorização do papel tradicional e normativo das mulheres e do seu retorno ao lar e da manutenção de uma masculinidade tóxica, que devolve ao homem o seu lugar tradicional. Este discurso populista e tradicionalista das extremas direitas soam, a alguns ouvidos menos afoitos ou com menos espírito crítico, a segurança. O ser humano é, na maioria dos casos, avesso a mudanças e quando as tradições ou os papéis tradicionais são contestados, quem os defende torna-se uma ameaça. 

       A quarta vaga feminista trouxe consigo o questionamento dos conceitos estruturais de género e os seus papeis: a nova paternidade, em que o pai pode assumir o papel de cuidador e participar activamente nas actividade e educação das crianças, a contestação do papel tradicional atribuido às mulheres, de mães e cuidadoras familiares (em todos os aspectos que cuidar de uma familia acarreta), à forma como as mulheres passaram a olhar para o corpo, aceitando-o independentemente das normativas impostas de beleza,  a forma como gerem os seus relacionamentos amorosos, de amizade e/ou sexuais, as opções que pretendem para a vida pessoal, profissional e familiar. Todas estas alterações deram um abanão gigante às estruturas sociais e culturais. Este abanão assustou o patriarcado, fê-lo tremer, e fez com que houvesse uma necessidade de agir e contrariar estes movimentos. Esta nova batalha patriarcal foi sendo feita nos meios de comunicação, através muitas vezes da disseminação de notícias falsas ou através de formas sensacionalistas de colocar alguns assuntos. O resultado destas campanhas, que vão sendo absorvidas quase de forma inconsciente pelas populações, está à vista com o surgimento de grupos extremistas como o movimento #TradWife, no caso das mulheres, ou o movimento RedPill, no caso dos homens. 

       No primeiro caso — tendo por base uma série de literatura muito popular na primeira metade do século XX que pretendia regulamentar os comportamentos femininos como mães, esposas e filhas — chegam a existir cursos para uma mulher se transformar na mulher tradicional perfeita. É importante salientar que este movimento tem por base um pensamento político e religioso, que cristalizou na época dos colonialismos e promove uma, quase, total dependência económica das mulheres ao marido. 

       No movimento RedPill deparamo-nos ​​com um grupo de homens que acreditam numa perspectiva ideológica específica sobre relacionamentos, género e poder. Autodenominam-se de "conscientes" e são conhecidos pelas suas posições sexistas, misóginas e pela teoria da conspiração de que as mulheres estão secretamente a controlar o mundo.

Quando a sociedade responde de forma tão forte às alterações sociais e culturais alcançadas pelos feminismos isto só pode significar uma coisa: o objetivo foi quase alcançado. Fica a faltar que as instituições, através das leis, acompanhem as mudanças e que, por exemplo, a licença de maternidade e paternidade seja equiparada.

​Lúcia Vicente

bottom of page