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A (in)visibilidade da mulher negra: Onde estás, mulher?

            Perante a construção de um feminismo que desconsiderava as mulheres negras, surge a necessidade de o adaptar a uma realidade mais inclusiva e ciente das questões das mulheres racializadas: o feminismo negro. Costumeiramente, situamos o seu surgimento nos EUA entre os anos 60 e 70, e podemos afirmar que esta vertente traz consigo novas formas de encarar o movimento feminista. Afinal, se numa fase primária se revindicavam condições pautadas pela igualdade em relação aos homens, nomeadamente através do direito ao voto e trabalho remunerado, posteriormente o parâmetro de comparação deixa de ser exclusivamente masculino. Isto é, também as próprias diferenças entre as mulheres levam a uma inovação deste sentido de igualdade. 

            O feminismo negro visa combater uma dupla discriminação: género e racial. Vejamos que as mulheres negras são duplamente prejudicadas: ora ignoradas por um feminismo hegemónico, ora excluídas pelo próprio movimento negro devido ao seu género. Apesar das suas vicissitudes, tanto o racismo como a misoginia fazem parte da vivência da mulher negra e como tal, são inseparáveis. E é o resultado desta conjugação de violências, indicador de uma autêntica asfixia social, que nos leva a entender como é promovida a sua invisibilidade.

            Com uma menor expectativa de vida, menor índice de casamentos, remuneração, percentagem de ocupação de cargos considerados de “maior” prestígio e maior risco de violência (como é o caso da obstétrica[1], por exemplo) a mulher negra é gravemente condicionada e Portugal não é imune a esta realidade. Apesar dos discursos negacionistas e das fantasiosas narrativas lusotropicalistas, os poucos dados estatísticos não são de todo animadores[2]. Com estas referências, não se procura contribuir para uma possível sensação de inércia, inutilidade ou incapacidade de não se poder contrariar esta realidade somente “porque já é assim há muito tempo”. Pretende-se o oposto: estimular a reflexão sobre alguns dos motivos pelos quais as mulheres negras são pouco vistas em alguns setores da nossa sociedade; perceber que há uma construção socioeconómica que influencia as suas oportunidades e que precisa de ser reconhecida para que também possa ser desafiada. 

        Questionemos, portanto, onde se encontram estas mulheres e o porquê de falarmos tão pouco nelas. Assim como, se estaria a nossa sociedade realmente disposta a olhar verdadeiramente para estas mulheres, longe da perpetuação de estereótipos ou normalização de microagressões diárias.

 

“Não dá para lutar contra o que não se pode dar nome. [...] E, quando não se sabe de onde vem, é mais fácil ir para onde a máscara diz que é o seu lugar.”

― Djamila Ribeiro, Quem Tem Medo do Feminismo Negro?

 

[1] Violência obstétrica define-se como “a apropriação do corpo e processos reprodutivos das mulheres pelos profissionais de saúde que se expressa numa relação desumanizadora, num abuso de medicalização e patologização dos processos naturais e traz consigo uma perda de autonomia e capacidade de decidir livremente sobre os seus corpos e sexualidade, impactando negativamente a qualidade de vida das mulheres” (Fondo de Población de las Naciones Unidas, 2007)

 

[2] Por exemplo, de acordo com o European Social Survey - Portugal, 2020, 55% dos portugueses manifesta alguma forma de racismo, considerando que existem raças superiores a outras. Já nos Censos 2011, há quatro vezes mais portugueses em lugares de representação do poder, de dirigentes ou de gestores, e cinco vezes mais portugueses em atividades intelectuais ou científicas do que cidadãos dos PALOP. No primeiro caso são 3% contra 0,8% e, no segundo caso, 6,1% contra 1,3%.

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