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“Um quarto que seja seu”: uma lição que perdura na atualidade

 

“(...) é necessário ter-se quinhentas libras por ano e um quarto com uma fechadura, se se pretender escrever ficção ou poesia.” (WOOLF, 1928; p.125)

 

Virgínia Woolf foi uma escritora do século XX. As suas obras, já na sua época, eram conhecidas pela sua escrita audaz, onde incluía questões políticas e sociais. A sua obra “Um quarto que seja seu” é apenas um exemplo da sua genialidade. É um ensaio filosófico baseado em documentos lidos nas universidades de Newnham e Odtaa, em Girton. 

Na obra somos levados a acompanhar os pensamentos de uma narradora ficcional criada por Virginia Woolf, Mary Beton. Ao longo do ensaio, vamos absorvendo uma série de questionamentos sobre as condições as universidades masculinas face às femininas, que nesta época ainda se caracterizavam, (apesar dos enormes esforços das mulheres) pela sua simplicidade. Estas comparações levam a reflexões sobre as disparidades entre homens e mulheres; o que era bastante curioso, porque já existiam pessoas que acreditavam que estas desigualdades já não existiam, atendendo ao contexto da época (isto é, a conquista do voto feminino e do recente surgimento de faculdades para mulheres). 

            Relembremos ainda que decorria a 1º vaga feminista (século XIX até ao início do século XX). Foi nesta vaga que se conquistaram diversos direitos que atualmente consideraríamos, à luz da nossa realidade, como básicos (há que pontuar que, infelizmente, ainda nos dias de hoje, algumas mulheres não têm acesso aos mesmos). Seria o caso do voto, ou até da participação política. Em plena época vitoriana, criticou-se a ideia do “anjo do lar” e a imposição de um papel submisso às mulheres. Apesar disto, Virginia Woolf, já no seu tempo, refletia sobre ideais “à frente do seu tempo”, como a crítica e reconhecimento de que determinadas conquistas se cingiam a mulheres específicas (que tinham liberdade financeira, por exemplo).

            Mary Beton decide, por sua vez, procurar as suas respostas; entender sobre o porquê dos homens escreverem tanto sobre mulheres, enquanto as mulheres pouco escreviam sobre si (muito menos ficção). Esta chega mesmo a observar que a sua escrita, por vezes, era muito agressiva para com as mulheres, chegando a uma fascinante conclusão: não era raiva, e sim a necessidade de autoafirmação.

 

“Ao longo de todos estes séculos, as mulheres têm servido de espelhos, dotados do poder mágico e maravilhoso de refletirem a figura do homem com o dobro do tamanho normal”. (WOOLF, 1928; p.52)

 

Também existe uma interessante dicotomia, que não é deixada de lado por Mary Beton: se por um lado encontrávamos, na ficção, mulheres poderosas e influentes, (vejamos o caso de Ana Karenina) a realidade não correspondia à literatura. As mulheres tinham pouca influência, deviam obediência aos seus maridos. 

Virginia Woolf, ou melhor, Mary Beton, a dado momento, leva-nos a um questionamento que considero relevante: através de uma criação ficcional de uma irmã de Shakespeare, indaga-se se “Judith” teria sido tão conhecida quanto o seu irmão. Isto claro, atendendo que esta teria uma série de obstáculos: casamento precoce, falta de habilitações, provavelmente a reprovação dos familiares. Ou seja, ninguém a levaria a sério em pleno século XVI, podendo até ser intitulada de “bruxa”. 

 

“Quando se lê, no entanto, a notícia de uma bruxa que foi afogada, (...) julgo estarmos na pista de uma romancista perdida, uma poeta abafada, de qualquer silenciada e ofuscada Jane Austen ou de uma Emily Brontë que rebentou ou miolos no pânico (...) enlouquecida pelo tormento que lhe conferira tal dom.” (WOOLF, 1928; p.67)”

 

O ensaio relembra-nos que a própria Jane Austen, apesar de ser uma figura memorável, teve as suas limitações. Levando-nos a perguntar: quem teria sido Jane Austen sem os entraves da sua época? Como seria uma Jane Austen que não tivesse vergonha de “Orgulho e Preconceito”?  É interessante questionar se os diálogos de Elizabeth Benneth difeririam sem a intromissão dos deveres domésticos ou imposições sociais.

            Nunca saberemos como seriam as verdadeiras potencialidades das mulheres que se encontravam em ambientes tão hostis. Jamais poderemos comparar Emily Brontë (enclausurada, que pouco viu do mundo) com Liev Tólstoi que viajava constantemente. Por isso, a obra apela-nos à importância das mulheres escreverem mais. E para tal, Virginia considerava imprescindível: dinheiro (porque com a independência financeira haveria liberdade intelectual) e um quarto que fosse seu (para se conseguir escrever sem empecilhos). 

Muito mudou deste a época de Virginia, contudo a representatividade feminina, em diversos setores da sociedade ainda é insuficiente. Este é um ensaio que fascina qualquer um desde a primeira página, e no qual (apesar de envelhecido em vários aspetos) podemos extrair e identificar problemas atuais. É forma fascinante de compreender a relação das mulheres com a literatura, sobretudo, obras ficcionais.

 

Laura Esteves

Co-coordenadora do Departamento de Informação

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