top of page

Assédio sexual: o pesadelo do dia-a-dia das mulheres até quando?

O assédio sexual mais conhecido como o pesadelo do dia a dia de sobretudo mulheres tem sido cada vez mais mencionado devido aos descobrimentos de mais casos em diversos estabelecimentos. Não obstante, é importante perceber o que é, de facto, o assédio sexual e, tal como a APAV esclarece, o assédio sexual é todo o comportamento indesejado de carater sexual, sob forma verbal, não verbal ou física, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador [1]. Assim, o assédio sexual não consiste apenas em toques íntimos, mas também em comentários indesejados que contenham carater sexual o que é o que mais ocorre no dia a dia das pessoas, comentários indesejados que causam desconforto, atenção sexual indesejada e insinuações sexuais indesejadas. 

   Em Portugal, o assédio consiste numa contraordenação muito grave como esta previsto nos termos da lei, artigo 29º do CT. Contudo, a prática de assédio pode conferir à vítima o direito de indemnização [2]. No entanto, se procurarmos o termo “assédio” no CP o resultado será “não foi encontrado”, visto que este não se encontra especificamente na lei. Nos crimes contra liberdade pessoal ou sexual não é possível encontrar alguma lei que aborde especificamente o assédio sexual, razão pela qual, nos termos penais, entende-se que o assédio sexual está englobado ao crime de importunação sexual, previsto no artigo 170º CP [3], que não é propriamente assédio sexual. Ou seja, pelo ponto de vista do código penal português, o “assédio” corresponde a um crime de importunação sexual que consiste no ato de importunar outra pessoa, praticando perante ela atos de carater exibicionista, formulando propostas de teor sexual ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual. O adicionamento do contexto de assédio sexual ao crime de importunação sexual deveu-se, principalmente, à convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, conhecida como a Convenção de Istambul, que consiste num tratado internacional de direitos humanos que visa a proteção das mulheres contra todas as formas de violência. 

Deste modo, é possível, a meu ver, chegar-se à conclusão que a vitima ainda se encontra desprotegida pela lei, visto que o assédio sexual não está tipificado no CP. É necessário criar, urgentemente, no CP a figura jurídica do assédio para demonstrar ao país que não há perdão para o assédio e que deve-se aplicar medidas mais pesadas de maneira a proteger cada vez mais as vitimas de assedio que tem crescido a cada dia que passa e isso verifica-se com os dados publicados pela APAV que evidencia que as denuncias de assédio sexual crescem mais de 150% em quatro anos e realça que estes valores ficam muito abaixo da realidade. Importante referir que, a APAV afirma que 77,7% das pessoas que recorrem associação são mulheres. 

   Contudo, é importante referir que a vítima não esta só desprotegida devido ao facto que o assédio sexual não estar tipificado no CP, mas também devido à maneira como os casos de assédio sexual são tratados nos tribunais. Há casos em que a defesa da pessoa que assediou justifica o comportamento do mesmo devido à vítima ter vestido um decote ou um vestido curto e justo, de maneira que o juiz perceba, de alguma maneira, que quem provocou aquela situação foi a vítima devido à maneira como ela estava vestida [4]. Sempre foi difícil provar casos de assédio sexual e estes tipos de preconceitos, da maneira como a mulher estava vestida ou como estava a agir no momento em questão, só piora a situação. Como exemplo, gostaria de falar do acórdão de 1989 [5] onde se evidencia que as duas mulheres contribuíram para a realização do crime, ou seja, tecnicamente, o tribunal também as culpou, de certa forma, de terem sido violadas pelos dois homens do caso concreto, visto que, pelo entender do tribunal, estas é que pediram boleia a quem passava pela rua e deveriam ter noção do perigo da situação em que se colocaram. Alias, tal como o advogado Paulo Sá e Cunha disse no Podcast “Justiça Sem Códigos” da jornalista Ana Peneda Moreira, que recomendo vivamente a ouvirem, há ainda tendência dos tribunais a olharem para as vítimas e tentar perceber a maneira como elas vestem e agem de modo a avaliarem se isso teve ou não impacto na situação. [6] Penso que falo por todas as mulheres quando digo que isto é só absurdo e que não podemos continuar a viver num mundo onde culpam a vítima por ter sofrido qualquer crime. 

   De adicionar, gostaria de falar da incrível iniciativa da L’Oréal Paris lançada em 2020 com o principal objetivo de alertar e proteger as pessoas do assédio que as mulheres sofrem diariamente, sobretudo em locais públicos. Esta iniciativa trata-se de uma pequena formação de 10 minutos de modo a saber o que fazer se fores vítima de assédio sexual num espaço publico ou se vires alguém a sofrer de assédio sexual num espaço publico [7]. Esta formação serve também para demonstrar ao mundo o facto de ser em locais públicos que, sobretudo as mulheres, estão mais sujeitas ao perigo de sofrer assédio (isto foi concluindo através de um estudo internacional promovido pela L’Oréal Paris em parceria com a Ipsos), evidenciando, contudo, dados que comprovam este facto, sendo que 80% das mulheres já sofreram assédio em locais públicos, 76% das pessoas já testemunharam. (dados de 2020) 

  Em suma, penso que se torna cada vez mais urgente tipificar isoladamente o crime de assédio no Código Penal, de maneira que talvez se possa mudar mentalidades e estereótipos existentes no momento e de modo que as vítimas sejam mais protegidas pela própria lei e que se sintam cada vez mais seguras para fazerem queixa. O assédio sexual é algo sério, e é algo que diversas mulheres vivem, sobretudo em espaço publico, o que faz com que estas tenham medo de viver a sua vida livremente só porque alguém acha que tem poder para fazer comentários do seu corpo, ou da sua roupa. O assédio sexual existe e ninguém pede para passar por isso. Está na hora de levar o assédio mais a sério, está na hora de agir e proteger as mulheres que vivem este terror no seu dia a dia! 

[1] Informação encontrada neste link: APAV. Denúncias de assédio sexual e moral crescem mais de 150% em quatro anos - Renascença (sapo.pt)

[2] Artigo 29º do CT: Código do trabalho.pdf (act.gov.pt)

[3] Artigo 170º do CP: Código Penal | codigopenal.pt

[4] 9 perguntas e respostas sobre assédio sexual (e 6 histórias de vítimas) – Observador

[5] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (dgsi.pt)

[6] Assédio Sexual. Um piropo pode ser crime - Expresso

[7] Programa Stand Up - Contra o assédio | L'Oréal Paris (lorealparis.pt)

Inês Gomes

Suplente de Direção

bottom of page