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Para além da igualdade: a opção pela diferença

Então e a cultura feminina? 

     Não podemos menosprezar o facto de que a maioria das acções e decisões respeitantes às mulheres tomadas a nível nacional e internacional nos últimos 20 anos aceitaram a cultura política tal como esta era entendida: instituições/eleições/carreiras. O objectivo principal era a igualdade com os homens na gestão da vida política; desta forma por desafiar. 

     Não era apenas a aceitação das tradições, das diferenças estabelecidas, de todos os passos que levaram à injustiça e indiferença generalizadas face aos povos. Eram também as próprias regras da gestão política. A política é na prática um dos mais simplificados sistemas que se pode imaginar. Diferentes áreas da tomada de decisão política estão desconectadas, separadas, cada ministro lida com um único aspecto da vida como se outros não existissem.

    Naturalmente, era importante que as mulheres participassem em todos os níveis de poder político. Acabavam os territórios proibidos, começava o caminho para uma mais justa distribuição das funções sociais entre os diferentes grupos na sociedade.

    Gradualmente, algumas mulheres começaram a perceber que a sua presença era relevante na medida em que marcava uma diferença.

A separação do pensamento político,

a mistificação da acção política,

a aceitação das injustiças e da exclusão sob o disfarce do pragmatismo distorcido,

a submissão da política à economia,

a retórica pomposa da classe política,

as ligações dúbias com os meios de comunicação social (tão bem ilustrado na série televisiva “Sim, Sr. Ministro”),

a crescente disparidade entre os ricos e por isso autoproclamados poderosos,

a parafernália que envolve as funções políticas,

 

    São tudo marcas que nada têm em comum com a cultura feminina, mesmo quando são as mulheres as suas promotoras.

   As regras do funcionamento interno das instituições políticas, com os seus dogmas, códigos e liturgias, são o resultado de um único padrão, que traz a marca do masculino.

   Sempre que as mulheres aceitam este tipo de cultura política, estão a reforçar o status quo, a dar um alibi a todos quantos querem que as mulheres estejam presentes em todo o lado com uma condição: que as coisas possam continuar como estão!

   Para mais, a experiência demonstrou que muito frequentemente, para poderem funcionar em termos de igualdade com os homens, as mulheres são forçadas a assimilar os valores culturais e os códigos de comportamento masculino que dominam o espaço público.

   O acesso ao poder político é frequentemente obtido à custa do silenciamento por parte das mulheres das suas próprias atitudes e maneiras de ser, pensar e fazer, da sua própria cultura.

   Aqueles que advogam pela diferença denunciam os efeitos perversos de uma igualdade que reduz a final a contribuição feminina no campo político.

(…) é da maior importância nesta conjuntura. Novos ingredientes, novas abordagens, novos sistemas de pensar são necessários, dizemos. A cultura feminina possibilita já novos ingredientes e abordagens. Está provavelmente a caminho de fornecer novos sistemas de pensar.

  Acima de tudo a diferença expressa-se na ligação entre os problemas, as pessoas, os sectores de tomada de decisão. As mulheres conexionam e conexionam, e porque conexionam, elas inventam.

In Cultura Política e Cultura das Mulheres (Sinais para o próximo milénio)

Bristol, 5 de Setembro de 1991

Maria de Lourdes Pintasilgo

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