Situação e Caractér da Mulher
Opõe-se por vezes o “mundo feminino” ao universo masculino, mas é preciso sublinhar, mais uma vez, que as mulheres não constituíram uma sociedade autónoma e fechada; estão integradas na coletividade governada pelos homens e na qual ocupam um lugar de subordinadas; estão apenas unidas enquanto semelhantes por uma solidariedade mecânica: não há entre elas essa solidariedade orgânica em que assenta uma comunidade unificada; esforçaram-se sempre por se ligar a fim de afirmarem um “contra-universo”, mas é no seio do universo masculino que o colocam: daí vem o paradoxo da sua situação: pertencem simultaneamente ao mundo masculino e à esfera em que esse mundo é contestado; encerradas nessa esfera, investidas naquele mundo, não podem instalar-se em nenhum lugar com tranquilidade.
A docilidade comporta-lhes sempre uma recusa, a recusa de uma aceitação (…).
A mulher reconhece que o universo, no seu conjunto, é masculino, os homens modelaram-no, dirigiram-no e ainda hoje o dominam; não se considera responsável; está entendido que é inferior, dependente; não aprendeu as lições da violência, nunca emergiu, como um sujeito, em face dos outros membros da coletividade; fechada na sua carne, na sua casa, apreende-se passiva em face desses de figura humana que definem fins e valores. Neste sentido, há verdade no slogan que a condena de permanecer “uma criança eterna”; também se dizia dos operários, dos escravos negros, dos indígenas colonizados que eram “crianças grandes” enquanto não os temeram; isso significava que deviam aceitar, sem discussão, verdades e leis que outros homens lhes propunham. O quinhão da mulher é a obediência e o respeito. Ela não tem domínio, nem sequer pensamento, sobre a realidade que a cerca. Essa realidade é, a seus olhos, uma presença opaca. Efetivamente, ela não fez a aprendizagem das técnicas que lhe permitiriam dominar a matéria; não é com a matéria que lhe cabe lutar, e sim com a vida (…).
SIMONE DE BEAUVOIR
in O Segundo Sexo, Volume II