O Apartheid Israelita - um crime contra a humanidade
A história da Palestina tem-se resumido, há algumas (demasiadas) décadas, à persistência da ocupação israelita, do desrespeito pelos direitos fundamentais do povo palestiniano e da vontade de o expulsar das suas terras. Há poucos meses (a 15 de maio, mais concretamente), assinalaram-se os 75 anos da Nakba. O seu nome refere-se ao termo árabe para a expulsão da população palestina que ocorre desde a fundação do estado de Israel. Sucedeu-se a expulsão de centenas de milhares de palestinos das suas casas, de centenas de povoações do território histórico da palestina, pelas milícias e pelo exército israelitas. Esta catástrofe (nakba, em árabe) seguia-se a um outro momento de grande perturbação: o esmagamento da grande revolta palestiniana de 1936-1939 — uma insurreição civil e militar que exigia o fim da presença britânica e a suspensão da imigração judaica. A sublevação foi reprimida pelas tropas britânicas aliadas às milícias armadas sionistas, tendo estas últimas adquirido nos combates as armas (fornecidas por Londres) e as competências que lhes permitiram vencer as forças armadas árabes em 1948-1949.
O povo palestiniano, a quem apenas restava refugiar-se para tendas nos países vizinhos, parecia não ter qualquer outro destino sem ser desaparecer. Mas não, o povo palestiniano resistiu e resiste. O movimento nacional palestiniano instalou-se numa paisagem internacional marcada pela luta dos povos da Indochina contra a intervenção americana, pelas guerrilhas na América Latina, pela emergência dos movimentos armados contra o colonialismo português e contra o regime de apartheid na África do Sul. Hoje, décadas depois de Nakba, o povo palestiniano continua a sofrer inúmeras violações de direitos humanos. O brutal assalto de Israel ao campo de refugiados de Jenin em julho provocou dezenas de mortos e obrigou milhares de refugiados a realojarem-se. A violência militar israelita, envolvendo cerca de mil soldados e meios aéreos, não poupou os hospitais, locais de culto, a sede do grupo de teatro Freedom Theatre, e ficou novamente marcada pelo ataque propositado a jornalistas em serviço, num esforço para esconder a brutalidade das operações israelitas. Para além disso, o exército israelita tem encerrado associações pacíficas que advogam pelo respeito dos direitos humanos na Palestina.
Na Assembleia Geral da ONU, as últimas votações têm sido no sentido favorável à autodeterminação da Palestina, com alguns votos contra, entre os quais os Estados Unidos da América e Israel. Ainda assim, com o novo governo de extrema-direita em Israel, as violações dos direitos humanos do povo palestino têm vindo a agravar. Cinco organizações de direitos humanos israelitas e palestinas alertam para uma perigosa escalada das violações dos direitos dos presos palestinos devido às políticas radicais do novo governo israelita.
Estas associações alertam para as medidas arbitrárias e punitivas impostas pelo novo governo, queindicam que se poderão seguir outras graves violações dos direitos se não forem tomadas medidas imediatas pela comunidade internacional, medidas entre as quais se destacam a pena de morte para indivíduos acusados de terrorismo (sendo que toda e qualquer mobilização/organização, mesmo que pacífica, que se proponha a lutar pelos direitos do povo palestiniano é frequentemente acusada de ser terrorista), o aumento do recurso à detenção administrativa, a imposição de condições mais severas nos estabelecimentos prisionais, a negação de tratamento médico que possa melhorar a qualidade de vida.
A amnistia internacional publicou em fevereiro de 2022 um extenso relatório intitulado Israel’s Apartheid against Palestinians: Cruel system of domination and crime against humanity (Apartheid de Israel contra os Palestinos: Sistema cruel de dominação e crime contra a humanidade) em que confirma que o regime de Israel contra todo o povo palestino configura o crime contra a humanidade de apartheid. Este relatório assenta na recolha de uma série de estudos, testemunhos, investigações e análises decorridas nas últimas décadas. A investigação demonstra que Israel impõe um sistema de opressão e dominação contra os Palestinos em todas as áreas sob o seu controlo: em Israel e nos TPO, e contra os refugiados palestinos, a fim de beneficiar os Israelitas judeus. Isto equivale a um apartheid, proibido pelo direito internacional.
O povo palestiniano é sistematicamente expulso das suas casas, das suas aldeias, Israel exige-lhes uma licença para construir ou mesmo montar uma estrutura como uma tenda, mas - ao contrário dos candidatos Judeus israelitas - raramente lhes emite uma licença. Muitos palestinos são forçados a construir sem licenças. Israel destrói então as suas casas com o pretexto de terem sido construídas "ilegalmente". Durante os últimos 14 anos, mais de 2 milhões de Palestinos na Faixa de Gaza têm vivido sob o bloqueio ilegal de Israel, que é uma forma de punição colectiva. Juntamente com quatro grandes ofensivas militares, o bloqueio obriga os habitantes de Gaza - a maioria dos quais são refugiados de 1948 ou os seus descendentes - a viver em condições cada vez mais terríveis. Existem graves carências de habitação, água potável, electricidade, medicamentos essenciais e cuidados médicos, alimentação, equipamento educativo e materiais de construção. Em 2020, Gaza tinha a taxa de desemprego mais elevada do mundo, e mais de metade da sua população vivia abaixo do limiar da pobreza.
O ano de 2022 registou o maior número de palestinianos mortos na Cisjordânia pelas forças de ocupação israelitas, registados pela ONU. São inaceitáveis os «princípios» de governação anunciados pelo Primeiro Ministro Netanyahu para o rumo fascizante do seu novo Governo, nomeadamente que «o povo judaico tem direito exclusivo e inalienável à totalidade da Terra de Israel», explicitando que se refere não apenas à totalidade da Palestina histórica e, designadamente, aos territórios ocupados por Israel em 1967 – que a ONU reconhece como devendo constituir o futuro Estado da Palestina –, mas também aos territórios sírios dos Montes Golã, que Israel ocupou em 1967 e anexou em 1981. Tais «princípios» constituem uma violação aberta de todas as resoluções da ONU sobre a questão palestiniana, devendo ser claramente repudiados
É de sublinhar a inexistência de qualquer processo político visando a concretização dos inalienáveis direitos do povo palestiniano, amplamente reconhecidos e consagrados em inúmeras resoluções da ONU. É urgente uma defesa intransigente dos direitos do povo palestiniano, e uma condenação dos atos praticados por Israel contra esse mesmo povo; pelo fim das provocações e da violência das autoridades e colonos israelitas, pelo fim do bloqueio imposto à Faixa de Gaza, pela libertação dos milhares de presos políticos palestinianos, incluindo menores, encarcerados nas prisões israelitas.
Matilde Lima
Colaboradora do Departamento de Informação