A problemática da maternidade imposta e a cultura envolta nesta temática
Uma das grandes alterações culturais que o movimento feminista trouxe foi o direito à escolha. Antigamente – até ao século passado – seria impensável uma mulher não querer ser mãe e assumir essa decisão em público. Se o fizesse, toda a gente concluiria que era lésbica (como se fosse uma premissa da homossexualidade feminina a rejeição da maternidade) ou que tinha uma doença grave, quiçá mental. Para ser verdadeiramente mulher em todo o seu esplendor, era imprescindível aspirar à maternidade – e concretizá-la. A sociedade assim o impunha.
Em certa medida, este cenário não sofreu grande revolução na mentalidade vigente, mas ter-se-á atenuado. Hoje, cada vez mais se aceita que a maternidade não passe pelos planos de uma mulher. Tal como o casamento ou a vida em comum. A perpetuação deste estereótipo de género não está extinta e, ainda que já não se olhe de forma condenatória para uma mulher que não deseja ser mãe – aceita-se, mas não se compreende -, esta terá sempre de se justificar, de afirmar que está bem e feliz assim, de convencer o interlocutor de que não há «outra» razão sinistra. A conversa nunca acaba sem o aconchegante «E não tens medo de te arrepender?» Esta pressão para a proliferação da espécie foi também imposta ao género masculino, embora esteja por condenar moralmente um homem que não tenha querido ser pai.
Não é só nas relações sociais que as mulheres são julgadas pela opção de não terem filhos. Na esfera da saúde, se uma mulher jovem e em idade fértil, sem filhos, decide laquear as trompas, terá grande dificuldade em encontrar um médico que lhe execute este procedimento (a mesma dificuldade não será encontrada se o procedimento cirúrgico procurado for estético). A razão é simples; trata-se de um procedimento irreversível e o mais natural na mentalidade de quem não é aquela mulher é que ela venha a mudar a sua forma de ver a vida e a mudar de ideias.
A problemática que aqui se coloca é o direito a decidir sobre o próprio corpo, sobre a própria vida. Neste campo – como em quase todos os outros – ainda não alcançámos a igualdade. É urgente deixar as mulheres decidirem o seu destino e o do seu corpo, sem condenações, sem imposições, sem perpetuação de ideais ou de estereótipos impostos pelo patriarcado
Lúcia Vicente
in Feminismo de A a Ser