Sou mulher e então?
Não é demasiado ostensivo fazer esta pergunta, agora que corre tinta nos jornais sobre a questão da jogadora que foi beijada em Espanha “sem querer” ou melhor, “sem intenção”, pelo presidente de uma federação de desporto.
Nada disto está fora do contexto, as pessoas é que dramatizam, afinal é extramente normal uma mulher ser beijada no final de um campeonato, pelo próprio presidente de uma federação de desporto, por recriação própria deste! Isto é tudo normal, meus caros! As mulheres até gostam destas coisas! Pois bem, esta é atitude que se tem consubstanciando de maneira intrínseca na sociedade. As mulheres são desvalorizadas desde sempre e tem sido calejado o caminho da mulher para mostrar que não há um deferencial que seja fundamentado, entre si e o homem.
Não é normal, aliás é bastante anormal, a mulher na sociedade, continuar a ser vista como um elo fraco, passível de certos abusos e certos comportamentos, que para alguns homens sejam possíveis de concretizar. Não é normal, uma jogadora que tanto batalhou com as suas colegas, para ocupar um lugar de destaque num mundo do futebol, que já por si é concretizado e bafejado por ser um mundo de homens, ser “atacada” com beijos na boca pelo próprio treinador. É que a imagem que transparece cá para fora, é que este senhor se sente um “suprassumo “ou o “adónis do futebol feminino” e que pode fazer tudo, porque nada lhe vai acontecer. É este o comportamento que tem adotado.
Já a jogadora alvo desta conduta ridícula e abusiva, como é obvio, não há de ter gostado. Não porque o senhor seja um “deus grego” ou não, mas porque o senhor não sabe ou não soube, no momento, ter limites às suas atitudes e entrou na esfera pessoal e íntima da mulher. O óbvio é que ela não quis, não achou piada nenhuma e muito menos, à atitude adotada, postumamente, a este episodio degradante pela própria instituição onde trabalha o senhor e pelo próprio, que intentam como se fosse a jogadora a culpada deste comportamento, ameaçando até processar a jogadora.
As mulheres não são símbolos sexuais ou objetos a serem usados pelos homens conforme lhes convém. É mais que prova que, a mulher não é um ser fraco ou incapaz de chegar a certos lugares, já conquistados pelo homem, como é o mundo do futebol.
Não é por ser mulher que escrevo isto, é porque esta atitude vem na sequência da sociedade em si, ainda me chocar com certas atitudes ou frases proferidas por “homens” incapazes de considerar que a mulher não é uma coisa, não é abaixo de si por ter menos estatura (e aqui até isso é ponderável) ou porque tem menos músculo (e muitos vezes mais cérebro).
Esta notícia chegou-me aos ouvidos na sequência de um episódio por mim vivenciado, que até me deixou chocada. Aliás, eu mesma fui o alvo da pessoa em si e o que pensei que não me afetasse, afetou, pese embora o ter colocado rapidamente no seu devido lugar.
Há dias, tenho uma pessoa que vive próximo de mim, que tem por hábito achar que as mulheres não são passiveis de conversar ou tratar altercações consigo. O infeliz episódio vem na sequência de me enfrentarem e dizerem o seguinte: “chama o teu marido, que eu não falo com mulheres”! esta frase já havia sido proferida pelo avô, preso no seu tempo, e pela segunda vez, proferido por um “puto” de cerca de 22/23 anos.
A primeira vez, achei mau, respondi à letra, a segunda vez, senti um compasso de espera dentro de mim, fiquei parada e estática com o que havia ouvido. Não queria crer, que uma “criança” daquela idade, que nem meia frase sabe dizer sem espetar dois ou três erros de português, primeiro, tinha a ousadia de me dizer uma coisa destas, segundo, ter esse pensamento generalista de que as mulheres eram seres insignificantes.
Não sou de me calar perante crimes desta natureza (sim crime, discriminação é crime). Pensei o seguinte, enquanto esperava pela minha resposta. Eu não tenho marido, seria dificil algum dia a “criança” falar com o meu marido. Segundo, a pessoa que partilha a vida comigo, é meu companheiro, respeita-me, não me acha inferior, muito pelo contrário acha-me um ser cheio de inteligência e revela um respeito incomensurável por ser mulher (homem, portanto). Em terceiro lugar, fiquei chocada como alguém tão novo, tem uma mentalidade tao discriminatória, tão ridícula, tão fora do contexto.
A minha resposta a este ser, foi algo no sentido de que além de crime, creio eu que não vais falar com o meu “marido”, porque eu sou responsável por mim, não tenho um “dono” ou carrasco que mande em mim e me vá censurar e porque a minha resposta a esta criatura (que ainda não cresceu o suficiente), é que sem as mulheres, não estarias cá a falar comigo!
Mas percebi que, há tanto trabalho pela frente ainda. A mulher é vista, ainda em certas sociedades e comunidades, como um ser desprovido de inteligência ou fraca. É um sentimento revoltante, foi assim que me senti, revoltada. Eu não sou inferior a um homem porque não tenho testosterona, ok?
Eu ou qualquer mulher não somos inferiores por coisa nenhuma. Não somos abaixo do homem, não somos diferentes para fazer seja aquilo que for, que o homem faça.
Eu sou mulher sim, ainda bem! É um orgulho ser mulher. É um orgulho para mim, conseguir ponderar e entender que ninguém é inferior a ninguém, que somos iguais na nossa desigualdade e que ainda bem que assim é. A diversidade deve ser o ponto de referência da sociedade. Precisamos dela, é necessária sermos diferentes, mas que sejamos capazes de nos completar.
Ana Faia
Colaboradora do Departamento de Informação